Entrevista a Fernando Gameiro

No âmbito do II Seminário da Rede de Bibliotecas de Évora, subordinado ao tema "Bibliotecas em rede: gerir, preservar e divulgar" falamos com Fernando Gameiro, investigador do CIDEHUS da Universidade de Évora e coordenador da Rede de Bibliotecas de Évora (RBEV). Assumindo-se como uma rede da “dimensão da Cidade” esta, é a única rede portuguesa que integra bibliotecas de leitura pública, escolar e universitária. O catálogo oferece mais de 250 mil títulos, com acesso livre e disponíveis na internet.

Universidade de Évora (UÉ): De que forma as bibliotecas integradas na rede concelhia de Évora (RBEV) podem incluir as conceções de desenvolvimento de competências em informação na sua prática?

Fernando Gameiro (FG): O desenvolvimento das competências em informação têm sido o domínio privilegiado pela RBEV desde a sua origem em 2012. A integração numa mesma rede de bibliotecas dos ensinos básico, secundário e superior permite o desenvolvimento de ações sistémicas que, no longo prazo, se refletirão na melhoria destas competências nos alunos destes níveis de ensino. Todas as bibliotecas integradas, num total de 16, tentam colocar em prática programas de formação de utilizadores nos quais as competências em informação ocupam um lugar central. 

UÉ: Como pode esta rede contribuir para incrementar as literacias digitais e as literacias da informação?

FG: Em relação às literacias digitais há ainda muito trabalho a fazer. É certo que as tecnologias são do domínio dos utilizadores mas os serviços que as bibliotecas oferecem ficam muito aquém das necessidades. É necessário que as nossas bibliotecas disponibilizem mais obras em suporte digital e é necessário que as mesmas sejam acompanhadas de informação que ajude à sua exploração. Estamos a trabalhar nesta área mas é necessário, primeiro, definir prioridades para cada nível de ensino quanto aos livros a disponibilizar dentro dos que não estão protegidos pelos direitos de autor. De seguida iniciar um programa de digitalização para as que ainda não estão disponíveis e de incorporação de informação para as que já estão. Finalmente a incorporação destes documentos no catálogo coletivo de modo a que todas as bibliotecas cooperantes possam beneficiar da biblioteca digital: um investimento significativo em tempo e recursos.

Temos que reconhecer que há incentivos. Recentemente uma das nossas bibliotecas recebeu o apoio da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) para o seu projeto de biblioteca digital. Trata-se da biblioteca da Escola Secundária Gabriel Pereira que está a desenvolver, em parceria com os Serviços de Informática da UÉ, uma aplicação que irá disponibilizar um conjunto de serviços que serão partilhados com as restantes bibliotecas incluindo a disponibilização do catálogo coletivo da RBEV e o módulo de empréstimos em linha associado ao novo sistema de gestão de bases de dados bibliográficos, o KOHA.

UÉ: A partir de 2012, a Universidade de Évora impulsionou esta rede garantindo o suporte indispensável para o seu funcionamento. Que mudanças foram desde então preconizadas?

FG: A integração da UÉ na RBEV veio suprir uma carência em matéria de serviço de bibliotecas em Évora. A cidade não dispõe de uma biblioteca municipal de Évora e a Biblioteca Pública, dada a sua manifesta falta de recursos na área dos recursos humanos associados ao tratamento documental, não podia garantir esse suporte. A integração da Biblioteca Geral e do Serviço de Informática veio colmatar esta lacuna.

UÉ: As bibliotecas devem procurar acompanhar as necessidades de aquisição de novos conhecimentos e centrar a sua ação numa aprendizagem ao longo da vida. De que forma a RBEV tem conseguido esse objetivo?

FG: A esmagadora maioria das bibliotecas são escolares, 13 no total, e estão integradas na RBE que há mais de vinte anos vem implementando o conceito de  life long learning. Os bibliotecários escolares, todos eles, receberam formação inicial e recebem formação contínua para pôr em prática este desiderato. Os seminários e as acções que ao longo dos anos temos vindo a realizar são um exemplo deste esforço de actualização permanente. Em que medida este esforço passa para os alunos? Temos indicadores que resultam dos procedimentos de avaliação a que todas as bibliotecas são sujeitas a cada dois anos. O que está menos bem é corrigido com a aplicação de um plano de melhoria nos dois anos seguintes. Será importante verificar se o esforço que está a ser feito nos níveis de ensino básico e secundário já tem reflexos no superior.

UÉ: “Gerir, preservar e divulgar” foi o tema escolhido para a realização deste II Seminário da rede. Que desafios enfrentam este tipo de redes, e esta em particular; que medidas considera úteis para enfrentar os desafios do futuro?

FG: Os desafios são enormes. Desde logo porque os recursos são muitas vezes insuficientes para a multiplicidade de tarefas que estão associadas ao trabalho das bibliotecas e à necessidade de acompanhar as constantes mudanças nos hábitos dos utilizadores. Porém creio que é cada vez mais consensual que, independentemente da importância que o suporte papel possa continuar a ter, é ao digital que devemos dar atenção. É com esta realidade que as bibliotecas terão que lidar. E não é apenas com a substituição do livro em papel pela leitura no dispositivo móvel, mas também com o desenvolvimento de serviços que potenciem a leitura. Serviços que aproximem o leitor em suporte digital da informação que lhe interessa. 

Estes desafios só podem ter uma resposta: a cooperação entre instituições. Esta cooperação na partilha de serviços, de recursos, o desenvolvimento de projectos conjuntos é a matriz da RBEV.

Publicado em 18.05.2018
Fonte: GabCom | UÉ